A partir do fim
de 2019, o Brasil terá um radiotelescópio erguido no meio do sertão da
Paraíba. A estrutura com dois espelhos e diâmetro de cerca de 40 metros é
parte de um projeto internacional que terá a maior parte de seus
recursos bancada pela fundação de apoio a ciência de São Paulo.
O Bingo (sigla
para Observações de Gás Neutro das Oscilações Acústicas Bariônicas, em
inglês) tem como foco o estudo da energia escura, que constitui 68% do
Universo e sobre a qual muito pouco sabemos.
A energia
escura tem por característica “anular” a gravidade, e não é possível
detectá-la diretamente –ela não se manifesta na forma de partícula ou
luz, pelo menos não da forma como conhecemos.
Dada essa
dificuldade, os cientistas precisam encontrar outras formas de captar a
energia escura, como a medição de oscilações acústicas bariônicas. Essas
oscilações podem ser utilizadas como uma “régua fundamental do
Universo”, explica Élcio Abdalla, do Instituto de Física da USP e
coordenador do projeto.
O
radiotelescópio será capaz de detectar ondas de rádio, produzidas por
uma emissão de hidrogênio neutro, na frequência de 1420 MHz. Essas ondas
permitirão mapear as oscilações de bárions, que carregam informações
sobre a interação entre fótons e bárions, congeladas depois do
desacoplamento da matéria com a radiação. Os pesquisadores pretendem
medir a frequência específica da radiação eletromagnética do hidrogênio
quando o Universo era “jovem”, há bilhões de anos.
Essas
informações devem ajudar a entender a energia escura do Universo de uma
forma diferente do que é feito por outros telescópios, que utilizam
outras técnicas, afirma Carlos Alexandre Wuensche, pesquisador titular
da Divisão de Astrofísica do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais) e também coordenador do projeto.
Uma joia no sertão
O radiotelescópio
brasileiro será construído na serra do Urubu, na região de Piancó (PB),
cidade de apenas 16 mil habitantes localizada a 225 km de Campina
Grande e 337 km de João Pessoa.
De acordo com o
projeto, o Bingo terá dois espelhos, de cerca de 40 metros de diâmetro.
Eles serão sustentados por uma estrutura de metal de 80
toneladas. Outra estrutura, semelhante a esta, sustentará 50 caixas com
cones de 4,7 m de altura por 1,8 m de diâmetro.
O projeto
custará cerca de U$ 4,2 milhões (cerca de R$ 13,1 milhões) –76% (R$ 10,1
milhões) virá do financiamento da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo). E já começou a ser executado com a construção
das peças. A obra no sertão está prevista para acabar em agosto de 2019.
No grupo que
lidera a construção há cientistas do Inpe, da USP, e da UFCG
(Universidade Federal de Campina Grande), além de pesquisadores do Reino
Unido, da Suíça, do Uruguai e da China.
O
radiotelescópio brasileiro deverá complementar as informações de dois
outros telescópios internacionais, um canadense, já em atividade, e um
chinês, ainda em construção.
O
canadense Chime é composto por quatro equipamentos de 100m de
comprimento por 20m de largura, dispostos um ao lado do outro. Segundo o
pesquisador do Inpe, já está em funcionamento, mas sua performance
ainda apresenta uma série de problemas.
O radiotelescópio chinês Tianlai, em obras, terá cerca de 2.000 unidades receptoras em uma área de 120 metros quadrados.
Wuensche
destaca que o Bingo vai estudar o Universo em uma época mais recente do
que esses dois telescópios –a análise do Bingo vai de “muitos milhões de
anos após o Big Bang até dois bilhões de anos”. Uma época que, segundo o
pesquisador do Inpe, a Via Láctea já estava formada e a “matéria já
estava aglutinada”.
Do Uruguai para o sertão da Paraíba
A princípio, o
telescópio seria construído no norte do Uruguai. Questões de
financiamento e infraestrutura locais, no entanto, inviabilizaram a
escolha –o local deveria ficar longe de sinais de celular e de rádio,
bem de como rotas de avião.
“Nós tivemos
alguns problemas na definição do sítio uruguaio e começamos a procurar
alternativas no Brasil”, diz Abdalla. “Avaliamos duas unidades regionais
do INPE, em Santa Maria (RS) e Cachoeira Paulista (SP), regiões
próximas a Brasilia e noroeste da Bahia. No fim, acabamos decidindo por
um sítio na Paraíba. O ambiente é bastante livre de poluição
eletromagnética e geograficamente é muito adequado para a construção do
telescópio”.
UOL