quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Mestres, especialistas e professores em educação, afirmam "A calculadora libera a turma para pensar"

Beatriz Calbucci, do Colégio Pentágono: calculadora na mochila. Foto: Daniel AratangyGalileu Galilei (1564-1642) não inventou a luneta para ficar bisbilhotando a intimidade alheia. O equipamento abriu ao cientista italiano a possibilidade de ampliar os estudos sobre astronomia e de fazer proposições científicas. 
Para Antônio José Lopes Bigode, consultor em educação matemática, a calculadora será muito mais valiosa na escola se sua utilização seguir o mesmo espírito. "Não se pode usá-la somente para fazer contas mais rápido, sem alterar os conteúdos curriculares", argumenta Bigode. É preciso, segundo ele, olhar adiante, como fez, literalmente, Galileu Galilei.
Na sua argumentação a favor da calculadora, Bigode cita um fragmento do livro Didática da Matemática, de um autor bastante conhecido na área, o carioca Malba Tahan: "A generalização das calculadoras tornou inteiramente obsoletas as provas das operações. Não se pode falar em prova dos noves numa época em que as máquinas é que operam. Retirado esse entulho algebrístico, poderíamos ocupar o tempo do educando fazendo-o aprender outros pontos da Matemática que são de indiscutível interesse". O livro é de 1961 e Tahan se referia a velhos instrumentos mecânicos de cálculo, movidos a manivela.
Existem ao menos três áreas da educação matemática cujos conteúdos podem ser potencializadas pelo uso da calculadora. Veja a seguir quais são elas e alguns exemplos de atividades.

1. Resolução de problemas
Com a calculadora é possível aproximar o raciocínio que se faz na resolução de problemas de situações da vida real. "A máquina permite operar os números 'malcomportados' com os quais temos contato diariamente", afirma Bigode. Um exemplo são os preços, geralmente quebrados, dos bens de consumo.

No Colégio Pentágono, da rede particular de São Paulo, estudantes da 4ª série em diante utilizam a calculadora em atividades sempre relacionadas ao projeto do ano. Em 2003 a turma estudou uma série de questões relacionadas ao tema "Você tem fome de quê?" "Os problemas sempre foram formulados com dados coletados em jornais e revistas", explica a orientadora pedagógica e educacional Adriana Bulbovas Melo. "Na 4ª série, a calculadora é utilizada para checagem de resultados. Da 5ª em diante, para agilizar os cálculos", completa. Assim, a professora pode explorar uma maior quantidade de problemas e aumentar sua complexidade.

2. Cálculo mental e estimativa
Na área da estimativa e do cálculo mental, existem atividades em que o instrumento é empregado para checar rapidamente se o raciocínio está correto. "Se nessa mesma atividade o aluno tiver de parar para checar o resultado fazendo contas no papel, o exercício perde o sentido, fica moroso e ele logo se aborrece", explica Bigode.

Um exemplo de atividades de cálculo mental: suponha que a tecla 8 de sua calculadora esteja quebrada. Qual deve ser a seqüência de teclas para obter o resultado destas operações:
a) 5x8
b) 9x8
c) 12x18
d) 1888:2

Veja algumas possíveis soluções:
a) 5x4x2 ou 10-2x5
b) 9x4x2 ou 16:2x9
c) 20-2x12 ou 9+9x12
d) 1900-12:2 ou 1444+444:2

3. Intuição matemática
No campo da investigação matemática, a calculadora permite explorar temas que até há pouco tempo eram vistos apenas na teoria e resumidos a alguns exemplos. É o caso dos números primos, hoje amplamente utilizados nos sistemas de criptografia que estão por trás das senhas da informática. Números compostos por primos razoavelmente grandes podem proteger sistemas de senhas pois a tarefa de decompô-los empregando métodos braçais e mesmo computacionais é quase impossível.

É de longa data o fascínio pelos números primos. O tema sempre instigou os matemáticos. Proposições célebres, como a Conjecutra de Goldbach (todo número par maior que 4 é a soma de dois números primos), de 1742, podem ser lançadas como desafios na 5ª série com ajuda da calculadora. Eles provavelmente (quem sabe?) não vão solucioná-las, mas, ao "brincar" com os números, vão apurar cada vez mais a competência de cálculo.

"O problema cai como uma provocação", diz Bigode. Os alunos tentam encontrar contra-exemplos para números pequenos (20 = 13 + 7), médios (100 = 53 + 47) e, depois de tentar até o 200, sem sucesso, acabam memorizando uma tabuada de números primos. Porém, há sempre um mais atirado que dispara "e o 2000?"

Para instigá-los ainda mais, basta responder 1997 + 3. O problema, a partir daí, é decidir se 1997 é ou não primo. No cálculo escrito, a tarefa demoraria de 20 a 30 minutos. Com a calculadora e o conhecimento do Crivo de Eratóstenes (um método para encontrar números primos), resolve-se em um minuto. "A máquina permite aventuras por túneis antes escuros. Possibilita criar e checar hipóteses, percebendo regularidades que poderão vir a ser generalizadas", conclui Bigode.


Um pouco de história


A origem da calculadora se confunde com a do computador. O que hoje se faz com uma maquininha de 5 reais era tarefa, na década de 1940, de amontoados de válvulas que, apesar de ocupar salas imensas, não faziam nada além do que somar, subtrair, multiplicar e dividir. A eletrônica trouxe agilidade e miniaturizou os equipamentos. Conhecer a história da computação é uma forma de se familiarizar com a informática de hoje. Na internet, as referências são inúmeras. Um bom ponto de partida é o site Museu da Calculadora (www.boselli.com.br/museu)

Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/matematica/pratica-pedagogica/calculadora-libera-turma-pensar-428126.shtml