“O semiárido nordestino de hoje talvez seja o planeta terra de
amanhã, caso não forem tomadas providencias urgentes, desde os hábitos
pessoais, até as políticas públicas nacionais com relação à água”. O
comentário é de Egon Heck em artigo sobre o sertão nordestino em seu blog, 10-02-2013.
Eis o artigo.
Tive a feliz oportunidade de conhecer um pouco do sertão nordestino nesta seca e as primeiras chuvas.
Tive a feliz oportunidade de conhecer um pouco do sertão nordestino nesta seca e as primeiras chuvas.
Pude sentir e partilhar o milagre da
vida, com a caatinga verdejando, os barreiros e açudes sangrando, e ver
a alegria voltando a galope no sertão. A reza e a fé do sertanejo são
inquebrantáveis.
“Nois até que se vira, acha uma comidinha aqui, uma aguinha acolá,
mas quem mais sofre com a seca é os animal. Coitado dos bichinho não tem
muitas vezes pra onde se socorrer. Acaba morrendo…” Essa expressão de
dor e compreensão da vida nos revela um pouco o sentimento do sertanejo
calejado pela seca e que ama os seres que o rodeiam como ama o seu
próximo.
Lago dos Amaro, no caminho entre Exu e a serra do Araripe
Vi muita cerca renovada, vi muitos casarões abandonados, senti a
esperança brotando por entre as fendas do solo ressequido e vi
sertanejos, como seu Tuntum, retorcidos pelo tempo e sofrimento, cheios
de sabedoria e não desesperançados. Nem urubu dá conta. Doía o coração
ver os barreiros e açudes secos, os rios, como o Brigida, sem água,
apenas um leito de pedras indicando que ali era um rio.
O bode, o jumento e o boi
O bode, o jumento e o boi
A imagem que mais choca é ver centenas de cabeças de gado apodrecendo
na beira da estrada. De Exu a Ouricori, o cenário era desolador.
Não sendo um especialista na questão, partilho uma reflexão que o companheiro Gogó fez, comentando a seca e o sertão. ” De
fato, o gado bovino tem sofrido e morrido em quantidade nessa seca.
Mas, essa é uma questão superada para o movimento social que defende a
convivência com o semiárido, isto é, essa região nunca foi local
adequado para se criar bois e vacas. Há uma comparação feita pelos
educadores populares nos cursos de formação com uma estatística bem
simples: um boi come por sete bodes, bebe por sete bodes, ocupa o espaço
de sete bodes. Quando morre um boi, morre o equivalente a sete bodes.
De fato, quando se encontrar um bode morto de fome ou sede no
sertão, é porque ali já não sobrou uma alma viva. Nessa seca os bois
estão morrendo, os bodes estão gordos. O animal é adaptado, suporta as
secas, mesmo que sua criação seja contestada por muitos técnicos como
sendo um animal daninho e ameaçador da biodiversidade. Mas isso – dizem
os técnicos do movimento social – é um problema de manejo, não de
adaptação.” 22/01/2013 – Roberto Malvezzi (Gogó)
Bem ilustra esse quadro um caso que seu Welington nos
contou, a propósito da seca e desanimo de vários sertanejos dessa
região da caatinga, do sertão pernambucano, do semiárido. “Meu amigo
José de Pedro, já velho, aposentado, trabalhou a vida toda pra reuni um
gadinho. Trabalhou 40 anos de sol a sol.Conseguiu mil cabeças de gado.
Veio a seca braba desse ano e o resultado foi que seiscentas morreram.
Sobrou apenas um gadinho magro e dívida no banco.” Esse é um dos muitos
fatos semelhantes que ilustram a forte migração para as cidades, e a
difícil sobrevivência da economia baseada no gado.
Outro exemplo que fomos ver é a Fazenda Uruguai . Outrora foi uma
próspera propriedade onde se produzia, além de gado, cana , cachaça e
muitos alimentos. Hoje a falda casa das setenta janelas, é alvo de
assombrações e abandono.
O maior abandonado encontrado com frequência nas beiras das estradas é o lendário jumento.
Depois de sua secular contribuição , na escravidão e na liberdade, ele
agora está jogado à sua sina na beira das estradas. Decididamente o
“cavalo de ferro”, a moto, e outros arautos metais do progresso, estão
levando os jumentos a figuras lendárias de um tempo que já foi. Andando
por estradas do nordeste, quando se ve um veículo dando sinal de luz
pode esperar jumentos logo adiante. E cuidado, pois quando decidem
atravessar o asfalto o fazem ser temor, de cabeça baixa. O jumento tão
decantado pelos poetas nordestinos e na voz de Luiz Gonzaga, agora parece caminhar celeremente para a fila da aposentadoria compulsória.
Pluviômetro – chuva e conversa sob medida
chamou atenção foi um pequeno aparelho que em outras partes do país
nem se houve falar – é o medidor da chuva, o pluviômetro. Cuidadosamente
instalado da maioria dos terrenos e casas, ele é o puxador do assunto
mais importante no sertão, pois mede e presenteia o sertanejo com o que
há de mais sagrado: a água.
-Compadre, aqui choveu só dois milímetros, e aí no pé da serra?
-Aqui foram três, mas a gente espera mais, pelo jeito das nuvens. Mas
lá Deus sabe o que fais. O feijão continua esturricado e o milho vai
ter que esperá!
Olhando pras planta tudo triste, de boca aberta, aguardando ansiosamente uns pingos dágua, seu Gelsi,
sertanejo calejado pela seca, aposentado, desfila sabedoria, ao falar
do sertão e dos tempos atuais. “Sabe que o responsável por essa perda do
feijão somos nois que antigamente sabia quando a chuva vinha e hoje
acredita da televisão. O resultado tá aí. Falou que chovia, a gente
plantou e a chuva não veio”.
A guerra do Exu, Gonzagão e revolução
Terra de Barbara de Alencar, avó do famoso escritor, José de Alencar. Ela liderou uma revolta republicana em 1817, sendo hoje considerada heroína nacional.
Exu exaltada, cantada em verso e prosa por Luiz Conzaga, Gonzaguinha e inúmeros poetas, cordelistas e artistas da terra.
Na região da Serra do Araripe, logo na divisa com o Ceará, foi criada a primeira área de conservação do país, nos conta Antonio Alencar, grande conhecedor, da região, raizeiro muito conhecido e procurado na região e no país.
“Água para todos”, um programa do governo federal, distribuindo
cisternas no seco sertão. Ouvi inúmeros comentários sobre o absurdo de
se trazer cisternas inadequadas, a alto custo, ao invés de continuar as
experiências de cisternas exitosas em curso no semiárido.
Apesar dos medos e ressentimentos persistirem, existe uma voz
corrente de que “a guerra do exu acabou”. Começa a predominar uma nova
mentalidade na convivência, que tenta enterrar na seca do sertão, os
fatos de violência e vingança que se davam entre famílias dominantes na
região.
A sinfonia dos sapos em intermináveis amplexos
A sinfonia dos sapos em intermináveis amplexos
Só alegria. Os amplexos dos sapos em ritual de acasalamento, se dava
em meio à felicidade que povoa cada coração sertanejo. Nunca vi tanto
sapo reunido numa pequena porção d’água. Era sapo de tudo que é tamanho,
desde os gigantes sapo cururu, até uns sapinhos minúsculos. De um dia
para outro a água estava qualhada de ovinhos. E num repente já estavam
aí os girinos.Pareciam que tinham pressa. Talvez também os afetasse o
fantasma de nova seca. Passamos noites a meditar sob o olhar atento da
lua e a sinfonia do coachar dos sapos.
Curiosidades e lições
Curiosidades e lições
A diferença de 1 (um voto) nas últimas eleições para prefeito.
Vitória dos “boca negra”, derrota dos “boca branca”. Denominação
corrente na cidade de Exu, que vem da década de 60, com a divisão entre
os dois partidos UDN e PSD.
Apesar de hoje não ter uma base em partidos políticos ou mesmo base
de famílias, a denominação continua muito presente nas rodas de
conversa.
A cidade de Exu e região ainda respirava Gonzagão
Depois da rodar por mais de cinco mil quilômetros de estrada do centro (Brasília) ao nordeste do país, em seis estados, impressiona o grande fluxo de veículos) a sensação de que de fato estamos construindo o caos. Até quando continuaremos enchendo ainda mais as estradas de veículos de todo tipo, colocando o Brasil sobre rodas, no círculo vicioso de que não poderemos correr o risco de desacelerar a indústria automobilística, o Brasil sobre rodas?
Depois da rodar por mais de cinco mil quilômetros de estrada do centro (Brasília) ao nordeste do país, em seis estados, impressiona o grande fluxo de veículos) a sensação de que de fato estamos construindo o caos. Até quando continuaremos enchendo ainda mais as estradas de veículos de todo tipo, colocando o Brasil sobre rodas, no círculo vicioso de que não poderemos correr o risco de desacelerar a indústria automobilística, o Brasil sobre rodas?
Mas a impressão mais forte é com relação à água. Da cultura do
desperdício na maior parte do país, á secura do sertão, onde a água pode
salvar ou matar vidas. Cada gota vale ouro. A cisterna é um espaço
sagrado a ser olhado e cuidado como preciosidade. O semiárido nordestino
de hoje talvez seja o planeta terra de amanhã, caso não forem tomadas
providencias urgentes, desde os hábitos pessoais, até as políticas
públicas nacionais com relação à água.
(Ecodebate, 14/02/2013) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU,
da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo,
RS.]